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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Matou a família e foi ao cinema

Um sonho. Um delírio. Uma fantasia. Um devaneio. Uma realidade absurda, o absurdo que nos salta aos olhos, que assalta a nossa moralidade, o nosso bom senso, que escancara a nossa falta de consenso. Tomé precisou ver para crer, mas Lobão já nos disse “se tudo é ver para crer, nada é demais”. O que nos acontece é absurdo, o que acontecemos nos transborda, vai além de nossas palavras, de nossos gestos, de nossas expressões mais corriqueiras.
O choro imenso da criança pequena é rompido pelo estrondoso som que anuncia a morte, é a bala que rasga a pele e deixa o seu vestígio em suas penetrações. São máscaras que caem no chão, submersas em abismo, supérfluas demais para um amor de uma intensidade inquantificável, talvez o mesmo do nosso tempo de Drummond: Hoje é dia de comida, amanhã será o de amor!
Mas o que as câmeras de Bressane nos aponta, não é o grito poético que revela o oculto, é o que sabemos e não dizemos e talvez não saibamos dizer. O que Bressane nos mostra é a família burguesa dilacerada, é o filme que se confunde com a realidade, é um grito de Basta! ao abandono, é a impossibilidade de seguir numa rotina que tritura, tritura, dilacera.
São os silêncios, os sambas, o rock romântico que configuram uma temática que extrapola explicações. São cenas cotidianas em molduras de entrada/saída: a porta que se fecha para o desejo que é proibido; do cômodo escuro que se enxerga a transcendência de leis; o corpo sobre a mesa estendido, torturado, marcado pelas mordaças de uma ditadura militar; as flores de plástico que simbolizam a vida num lar doméstico, domesticado.
Lares ainda inexistentes para uma negação que ainda não é emancipação. Manchetes de hoje, parecidas com a de ontem, esperadas amanhã. Subterfúgios escondidos em cada gatilho e corações prontos para explodir. Vidas que clamam por vidas em museus de uma história contemporânea. Arte desacreditada que ainda persiste. Tudo isso é Bressane em Matou a Família e Foi ao Cinema e muito mais que vai além das palavras ditas e tecidas nesse papel.

Rodrigo

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