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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Distinção entre novela e cinema

O cinema, como é sabido, surgiu antes da novela, ou melhor, da telenovela. Para alguns, como Arlindo Machado, o cinema data da considerada pré-história, para a maioria, como Jean-Luc Godard, o cinema nasceu no final do século XIX, como uma modo de expressão extremamente concatenado à indústria, possível no interior do modo de produção capitalista. É importante nos lembrarmos que o cinema antecede a televisão, ainda que esta tenha sido muito mais presente nas nossas vidas, já que nascemos na década de 80, momento em que as videolocadoras começam a profilerar, assim como, a velocidade e a força física demonstram sinais de tendência predominante no futebol. Não podemos negar, contudo, que mesmo em ambientes alternativos à salinha escura é possível apreciar belíssimas obras cinematográficas, como também, a maneira como a televisão venho a se diferenciar da produção cinematográfica e, inclusive, a influenciá-la, e vice-versa. Para compreender essa relação, se é que temos coragem de sustentar as nossas afirmações ao considerarmos um filme um grande novelão, até porque - coragem é algo de difícil de ter, mas muito bonito de ver num lugar longínquo habitado por caçadores de leão - é preciso contemplar as peculiaridades, as singularides, as especificidades desses dois modos de manifestação.
A tele-novela, se não me engano, é oriunda do final da década de 60, muito colada ao nascimento da própria televisão, usa-se o termo tele, não por acaso, mas porque já existia naquela época foto-novela e, também, romances folhetinescos, como é o caso, por exemplo, da Engraçadinha do excelentíssimo e magnificiente Nelson Rodrigues. Os folhetins, por sua vezes, não foram iniciados no século XX, mas no século passado, um dos momentos de sua maior expressividade foi durante a fase do romantismo, lembra-se de José de Alencar? Pois é, escrevia romances folhetinescos, algo muito comum naquela época. Mas a tele-novela, caríssimo senhor, não bebeu apenas desse romantismo mais meloso, foi e ainda é extremamente influenciada pelas tragédias gregas, pelos épicos e por algumas perspectivas holywoodianas cinematográficas. Consideremos, também, que Holywood é, como muitas coisas na vida, extremamente heterogêneo e diversificado, e que seria um grande equívoco da nossa parte dizer que John Huston, John Ford, Howard Hawks, Charles Chaplin, Alfred Hitchcock, entre outros, são a mesma coisa. Da mesma maneira, que ao afirmarmos o nosso desgosto pela tele-novela, seria importante reconhecer, também, o nosso desconhecimento sobre o assunto, ou, pelo menos, saber reconhecer que O Bem Amado e O Roque Santeiro não são a mesma coisa que o Caminho das Índias, caríssimo camarada.
No entanto, mesmo que cinema e novela sejam coisas extremamente diversificadas, tenham, em algum momento de suas existências, se implicado, existem distinções gritantes no sentido da intensidade, do conteúdo, da fotografia, da trilha sonora, da direção, da atuação e do enredo. Uma novela pode ter os seus rumos mudados se o público assim quiser, ainda que não seja necessariamente um teatro-fórum. Não há problemas para a rede Globo em solicitar ao autor da novela que alterne o deselance da sua estória, já que a telespectador não está contente com ela, pode até matar um personagem. Isto, porque sabemos, as novelas não duram apenas 10 minutos ou, então 2 horas e 20 minutos, são meses de capítulos, de segunda à sábado, pode ser muitos meses caso renda um bom íbope, pode ser pouquíssimos meses, caso renda pouco íbope. É importante destacar essa interação: no âmbito televisivo, bom é igual a muito, ruim é igual a pouco, pouco pode até ser bom, mas como uma primeira experiência, digamos...programa piloto.
Um filme também pode ter seu roteiro modificado, inclusive durante a filmagem, seja por impossibilidades que surgiram ao longo da produção do filme, seja pelo descontentamento de quem está bancando o mesmo e pretende lucrar com ele. Necessariamente, não é preciso que se faça roteiros para fazer cinema, nos lembremos de Avant-Garde, Cinema Surrealista, Dziga Vertov, Trilogia dos Qatsi, Baraka, e de todas as obras plenamente audiovisuais. Porém, ainda que Vertov tenha afirmado a peculiaridade cinematográfica na sua ruptura com outras formas de arte como a literatura e o teatro, isso não quer dizer que o cineasta russo tenha produzido obras autenticamente artísticas, isso não quer dizer que obras autenticamente cinematográficas sejam autenticamente artísticas. Não se trata apenas de forma, mas de conteúdo. A forma se torna pobre se a obra carece de conteúdo, vemos apenas um bom manobrista, mas falta visceralidade, tormenta, paixão, neblina, multi-sonâncias, etcétera.
Mesmo no cinema narrativo, que bebeu demasiado da crônica e da literatura, é possível encontrar obras de valor artístico, ou próximo disso, pois toca a vida, as estranhas e as entranhas, as vísceras e as paixões, pulsa para adiante, compartilha sonhos, têm sentido prospectivo, pois se não procuramos na arte qualquer coisa que seja potencializadora, então como podemos afirmar amor à vida, ou, mais ainda, como podemos afirmar que queremos continuar a viver, ou não queremos? Desejamos findar ao entardecer? Para muitas pessoas é difícil enxergar o que é HappyEnd, é complicado discernir entre um descontentamento com o Final Feliz de uma expressão fílmica e a busca de felicidade em um novo devir. No HappyEnd tradicional, estereotipado, o vilão perde, o bonzinho ganha, as fronteiras entre o mal e o bem não nitidamente expostas, os fracos são perdoados, os fortes são complacentes e as mulheres mais lindas são, também, as mais poéticas e românticas. No final feliz, no sentido de potencializador, afirma-se que ainda é possível viver, ainda é possível tentar de um outro jeito, mesmo
que a mãe de Ponette não volte,
que o seu possível novo amor tenha ido embora,
que o seu projeto tenha sido um fiasco,
que a mulher pela qual você se apaixonou tenha morrido,
que o leão americano que você caçou tenha escapado,
que a filha que você acabou de descobrir tenha falecido,
que você e sua mãe tenham sido despejados porque não pagaram o aluguel,
que a lei de Murphy tenha se concretizado e tudo, ou quase tudo, deu errado,
A força de Zorba não está em não morrer, está em encontrar algum motivo para viver, mesmo que não possa evitar a morte. Ele tenta salvar a jovem viúva, ele consegue por um instante, mas nem que tivesse a força de dez homens e olhos nas costas, poderia ser plenamente bem sucedido, nem que tivesse usado cinqüenta taças de vinho. Porque dançar se nada saiu como planejado, se a impecabilidade foi impossível, ou ela apenas não ocorreu? Já deu uma olhada bem de perto no abismo, já viu como ele se parece com o infinito? Já utilizou o infinito como medida para a dor? Não é a propaganda de margarina - anunciante de qualidade de vida - ou uma bela caminha na beira do lago, ou algumas braçadas na piscina que nos fará dormir mais tranqüilos, que espantará a insônia. Zorba disse:
- Quando meu filho morreu, muitos choraram, eu dancei, eu explodi.
Explodiu para que um feixe alcançasse o coração do meio inglês, meio grego, encantamento que assustou o mesmo inclusive. Estrangeiro que temeu a jovem viúva, a paixão, demasiadamente a paixão, mas, com as mãos fechadas, os punhos cerrados, da mesma maneira que segurava as correntes de suas travas, alcançou a pele da moça para exprimir aquilo que escapa às palavras:
- Ensina-me o amor, ensina-me a amar...
"Preciso aprender os mistérios do mundo pra te ensinar",
Precisamos aprender os mistérios do mundo, juntos, eu diria à minha amada.

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